Murilo Gitel

A semana em que meu pai e minha avó se tornaram refugiados climáticos

Sou jornalista especializado em Meio Ambiente e Sustentabilidade. Atuo nessa área há mais de 15 anos. Nasci no Rio Grande do Sul, mas estou radicado em Salvador (BA) há mais de duas décadas. Nesta semana, meu pai e minha avó perderam as casas em que moravam nas cidades de Eldorado do Sul e Cachoeirinha, respectivamente, por conta da tragédia climática que assola o meu estado natal.

Eu, que já tive a oportunidade de entrevistar alguns dos cientistas mais conceituados na área da climatologia, como Carlos Nobre e Paulo Artaxo (apenas para citar alguns), jamais imaginei que as previsões feitas em todos esses anos pela comunidade científica, especialmente os profissionais que integram o IPCC (Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre o Clima), se transformassem em uma realidade tão próxima a mim.

Já havia lido o ótimo “Justiça Climática”, livro em que a ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson, dá voz a pessoas de todo o mundo que sentiram, na pele, os estragos que a emergência climática pode causar em suas vidas. Mas é aquilo: quase nunca imaginamos que vai acontecer com a gente ou alguém tão próximo, não é mesmo?

Meu pai mora em Eldorado do Sul, cidade muito próxima ao Lago Guaíba e demais rios que desaguam nele. Na enchente de novembro do ano passado, ele e a esposa já haviam perdido tudo o que havia em casa, com a água a mais de 1 metro de altura. Graças a solidariedade de uma vizinha que mora em uma residência de dois andares, eles puderam se abrigar por lá até a cheia baixar.

Desta vez, a história foi diferente. Com o Guaíba 5 metros além do limite considerado seguro, o nível de devastação foi ainda pior. Meu pai, que trabalha como vigilante em Porto Alegre, foi avisado pela esposa na tarde da quinta-feira, 2 de maio, que a situação era mais grave do que a do ano passado, e que mais uma vez já estava abrigada na casa da vizinha.

É aí que o drama do meu pai começa. Com a água já tomando conta da capital gaúcha, meu pai saiu do trabalho e pegou um ônibus até o centro de Eldorado do Sul – enquanto ainda era possível chegar lá, porque todo o restante da cidade já estava inundado. Chegando na região do Banco do Brasil, ele andou das 20h30 às 22h30 com a água no peito, enfrentando correnteza e quase que totalmente no escuro, uma vez que já não havia energia elétrica, para chegar até o bairro Chácara, onde mora.

Obviamente, meu pai, que tem mais de 60 anos, quase caiu algumas vezes, o que significa que correu sério risco de morte. Contudo, conseguiu chegar na rua de casa e presenciar, desolado, o lugar onde mora debaixo d’água, aparentando apenas algumas telhas (foto em destaque). Ao chegar na casa da vizinha, um novo drama: a água, desta vez, estava avançando sobre o segundo andar. Era preciso gritar por socorro. Tudo isso sem água, energia elétrica e comida.

O socorro só chegaria, de barco, no final de sexta-feira. Meu pai, a esposa e um casal de vizinhos foram levados até uma rodovia de Porto Alegre, de onde foram transportados, de caminhão, até o alojamento instalado em uma escola pública. Somente no sábado ele teve condição de entrar em contato comigo e dizer onde estava. Nesse meio tempo, foi difícil evitar pensar no pior. Hoje, ele encontra-se abrigado na casa da sobrinha, em Alvorada, e sua luta mais difícil tem sido em conseguir água potável. Mas está a salvo.

Minha avó, por sua vez, tem mais de 80 anos e mora sozinha no Parque da Matriz, em Cachoeirinha, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. A casa dela ficava próxima ao Rio Gravataí. Até o ano passado, nos casos de fortes chuvas, apenas a rua ficava alagada, mas a água não chegava a entrar na residência. Todavia, isso mudou na enchente de 2024, e ela teve que ser resgatada de barco pela Defesa Civil. Perdeu o que tinha de material, mas está viva, acolhida na casa do meu tio.

Compartilho estas experiências com meus familiares, porque não é possível mais fecharmos os olhos para o que está acontecendo em todo o mundo. Já está mais do que comprovado que as emissões de gases do efeito estufa, provenientes da ação humana, aceleram e intensificam os efeitos das mudanças climáticas, e que se não houver, de fato, um comprometimento em nível global no sentido de reduzi-las, muitas outras regiões do Brasil e demais países enfrentarão eventos como este, do Rio Grande do Sul, com cada vez mais frequência.

Também precisamos falar sobre a cultura da prevenção. Esta tragédia recente reforça a necessidade urgente de o poder público adotar uma cultura mais robusta de prevenção de desastres naturais. No caso do Rio Grande do Sul, a combinação de uma infraestrutura inadequada para enfrentar fenômenos extremos com a falta de planejamento em longo prazo contribuiu para a magnitude da tragédia. É aqui que entra a importância de uma cultura de prevenção.

Algumas estratégias de prevenção que devem ser implementadas:

  • Educação e Conscientização: iniciar programas educativos que ensinem sobre o impacto das mudanças climáticas e a importância de práticas sustentáveis. Isso pode incluir desde a escola até campanhas de informação para o público geral;
  • Planejamento Urbano Adequado: implementar regulamentações de zoneamento que considerem os riscos de desastres naturais, evitando construções em áreas de risco como zonas de enchente.
  • Investimento em Infraestrutura Resiliente: reforçar barragens, melhorar o sistema de drenagem das cidades e construir muros de contenção em áreas críticas são essenciais para diminuir o impacto dos desastres.
  • Sistemas de Alerta Precoce: desenvolver e manter sistemas de alerta eficazes que possam prever desastres iminentes e informar a população com antecedência suficiente para que medidas de segurança possam ser tomadas.
  • Políticas Públicas Efetivas: criar políticas que incentivem práticas sustentáveis e reduzam a vulnerabilidade das comunidades a desastres climáticos.

Por ora, ajudemos nossos irmãos do Rio Grande do Sul a reconstruir suas vidas, seja por meio de doações para órgãos governamentais, ONGs ou mesmo diretamente para as pessoas que estão na linha de frente do socorro às pessoas mais necessitadas. Que a nossa solidariedade e compaixão sejam determinantes para aliviar os efeitos desta tragédia sem precedentes.

———————————————————

Dia Mundial da Água: por que o acesso ao recurso também é uma questão de justiça e paz?

Neste Dia Mundial da Água, lembrado nesta sexta-feira, 22 de março, a ONU nos convida a refletir sobre um tema profundamente relevante e urgentemente necessário: “Água para Paz”.

Este tema, escolhido pelas Nações Unidas para nortear o Dia Mundial da Água em 2024, lança luz sobre a intrínseca conexão entre o acesso à água e a promoção da paz, dois pilares fundamentais para o desenvolvimento sustentável e a harmonia global.

A água, além de ser um recurso vital para a sobrevivência de todos os seres vivos, desempenha um papel central na criação de comunidades estáveis e prósperas.

No entanto, a sua escassez, ou mesmo a gestão inadequada, pode se tornar um ponto de tensão e conflito entre povos e nações. Por isso, o acesso equitativo e sustentável à água é muito mais do que uma questão ambiental: é uma questão de justiça social e de paz.

A relação entre água e paz também se alinha estreitamente com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 das Nações Unidas, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

Um dos conflitos mais conhecidos pela água em nível mundial envolve os países da bacia do Rio Nilo, especialmente Egito, Etiópia e Sudão. A construção da Grande Barragem do Renascimento Etíope no Nilo Azul, um afluente principal do Nilo, tem sido fonte de tensão, uma vez que países a jusante, como o Egito, dependem historicamente das águas do Nilo para sua agricultura e abastecimento de água potável. Este é apenas um dos inúmeros exemplos que poderiam ser citados.

Nesse sentido, o acesso justo à água pode contribuir significativamente para a redução de conflitos, promovendo uma paz duradoura e possibilitando o desenvolvimento de milhares de comunidades mundo afora.

Contudo, o acesso equitativo à água e, por consequência, a promoção da justiça social e da paz, requerem uma abordagem multifacetada, a qual inclui:

  • Políticas públicas eficazes;
  • Investimentos em tecnologias sustentáveis de gestão de água;
  • Educação e conscientização da população sobre a importância da conservação deste recurso essencial;
  • Cooperação internacional robusta para enfrentar os desafios hídricos globais.

Acesso a água potável no Brasil

De acordo com dados da Trata Brasil, organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) que desenvolve ações e estudos visando fomentar o saneamento básico no país, 33 milhões de brasileiros carecem de acesso a água potável atualmente.

Este dado alarmante chama a atenção pelo fato de o país abrigar dois dos maiores aquíferos do mundo – o Guarani, localizado no Centro-Sul do país, e o Alter do Chão, na Região Norte.

Segundo o levantamento, dos municípios analisados, apenas 22 têm 100% de abastecimento de água. Os piores resultados foram observados em Porto Velho, com apenas 41,74% da população tendo acesso à água potável, seguido de Ananindeua (PA), com 42,74%; Santarém (PA), com 48,8%; Rio Branco, com 53,5%; e Macapá, com 54,38%.

Água como direito constitucional

Com o objetivo de garantir água potável a todos brasileiros, tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada e promulgada, incluirá a água na lista de direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal.

Apresentada em 2018 pelo então senador Jorge Viana (PT-AC), a PEC tramita agora na Câmara e tem como relator o deputado Pedro Campos (PSB-PE). Segundo ele, a PEC 6/2021 é um “passo importantíssimo para garantia do acesso à água para milhões de brasileiros que hoje não têm acesso à água potável e tratada”.

Que este Dia Mundial da Água possa servir como um convite ao mundo (governos, empresas, sociedade civil organizada e cidadãos comuns) no sentido de um maior comprometimento em prol da defesa da gestão sustentável da água, reconhecendo sua importância crítica para a construção de um futuro mais pacífico e sustentável.

Juntos, podemos transformar a maneira como interagimos com este recurso vital, garantindo que a água sirva como uma ponte para a paz, e não como uma fonte de conflito.

Murilo Gitel, editor do Notícia Sustentável, é jornalista especializado em Meio Ambiente e Sustentabilidade.


Energia renovável sim, mas não assim!

Não é mais nenhuma novidade que as energias renováveis são imprescindíveis para a descarbonização do planeta, uma vez que são capazes de substituir ou, ao menos, reduzir a dependência dos combustíveis fósseis, que quando queimados liberam gases de efeito estufa na atmosfera – uma das principais causas da emergência global que o mundo enfrenta atualmente.

Não à toa, um grupo de 118 países (incluindo o Brasil) se comprometeu por meio de um acordo na COP28, em Dubai, a triplicar a produção de energia renovável até 2030, o que alcançaria 11.000 gigawatts (GW), em comparação com os cerca de 3.400 GW atuais.

Desde que passei a cobrir temas relacionados à sustentabilidade, em 2008, tenho ouvido que a energia proveniente do vento, do sol, biomassa e demais fontes naturais são a chave para um mundo com menos emissão de gases do efeito estufa. Mas será que todos esses projetos que se vendem como “limpos”, podem, de fato, ser considerados “sustentáveis”? A resposta é não.

Ocorre que, muitas vezes, grandes empreendimentos eólicos e solares – apenas para citar os mais comuns referentes ao Brasil em termos de energias renováveis – deixam de considerar aspectos ambientais, econômicos e sociais das populações que vivem no entorno de onde eles são instalados.

Em diversos casos falta transparência e diálogo de parte das empresas (geralmente multinacionais) e governos, o que acarreta uma série de prejuízos a inúmeras pessoas, incluindo, por exemplo, comunidades de ribeirinhos, pescadores, pequenos produtores rurais, indígenas e quilombolas.

Cientes dessa realidade, comunidades do Nordeste lançaram, no dia 31 de janeiro, o documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável”, o qual lista 100 medidas para mitigar impactos sociais e ambientais que vêm sendo verificados na expansão dos setores eólico e solar no Brasil.

Elaborado por diversas mãos após mais de dois anos de debates, a partir de uma provocação trazida pelo Plano Nordeste Potência, o documento se baseia no lema “Energia renovável sim, mas não assim”, criado por movimentos sociais da Espanha em resposta à expansão dos projetos de fontes renováveis no país que não consideravam os impactos socioambientais.

Cá deste lado do Oceano Atlântico, a realidade é bem similar, o que reforça a importância desta iniciativa inédita, que contou com a participação de 29 organizações e instituições, e que pode ajudar o País a enfrentar as contradições da implantação de parques eólicos e solares nem tão limpos assim, em que pese o caráter renovável da energia que geram.

As sugestões de medidas administrativas, políticas e legais que constam no documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável”, objetivam responder a três grandes grupos de questionamentos:

1) Contratos: há grande desequilíbrio entre empreendedores e pequenos proprietários ou posseiros, que arrendam suas terras para a instalação das usinas e outras estruturas relacionadas com cláusulas injustas;

2) Outorga: a outorga para geração e transmissão de energia não raro deixa de incluir uma análise qualificada de componentes ambientais, sociais, etnoculturais, produtivos ou agrários;

3) Licenciamento ambiental: majoritariamente estadual, tem sido ineficaz para fazer frente aos problemas enfrentados e não fornece ações adequadas de reparação.

“Eles [a empresa] chegam com promessas de melhorias que não acontecem. Eles vão embora e a gente fica aqui com os impactos, os prejuízos e o medo”, relatou à Folha de S. Paulo Dorinha Manato, da Associação Quilombola Serra dos Rafaéis, na divisa do Piauí com Pernambuco.

O desmatamento para instalação das usinas eólicas e solares, já detectado em 2022 pelo MapBiomas em grandes áreas da Caatinga, é outro ponto que merece atenção, uma vez que compromete a fauna e a flora do único bioma exclusivamente brasileiro – onde a maior parte desses empreendimentos está instalada.

Sem dúvida alguma, urge a necessidade de políticas públicas e fiscalização adequada capazes de assegurar os direitos das comunidades que vivem no entorno de empreendimentos geradores de energia renovável. Nesse sentido, governos, empresas e instituições como o Ministério Público deveriam tomar conhecimento desta iniciativa inédita que acaba de ser lançada.

Sobre a provocação do Plano Nordeste Potência (citada no início deste artigo), e que motivou a criação do documento “Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável”, deixo-a aqui para estimular à reflexão:

Como o nosso país pode gerar e transmitir energia renovável sem violar direitos humanos, causar injustiça e racismo ambiental nos territórios, colocar em risco a produção de alimentos e a segurança alimentar, provocar desmatamento e perda de fauna e biodiversidade, e sem estabelecer relações contratuais abusivas e concentração de renda e levar à expulsão das comunidades rurais da terra?

Conheça o documento aqui

Murilo Gitel é jornalista especializado em Meio Ambiente e Sustentabilidade, e editor do Notícia Sustentável.

————————————————–

Cidades Arborizadas

A cidade em que você vive é bem arborizada ou, ao contrário disso, está mais para uma selva de concreto e aço? Caso a resposta tenha sido a segunda alternativa, certamente os custos com a saúde pública em seu município tendem a ser gigantescos… É que além de ajudarem a remover as partículas finas emitidas pelos carros e pelas indústrias, reterem a água da chuva e filtrarem o ar, as árvores também contribuem para a redução de doenças cardíacas, obesidade e depressão.

A conta é simples: mais árvores significam menos enfermidades. Os dados constam de um relatório publicado em 2017 por uma das maiores organizações não governamentais do mundo ligadas ao meio ambiente, a The Nature Conservancy (TNC), o qual defende que as árvores urbanas são uma importante estratégia para a melhoria da saúde pública nas cidades, devendo ser financiadas como tal.

O pesquisador Robert McDonald, cientista da TNC e coautor do relatório, observa que trazer a natureza de volta para as cidades é uma estratégia crítica para se melhorar a saúde pública. O especialista contrapõe assim a ideia equivocada de que as árvores são “artigos de luxo”, assim como os parques a céu aberto – aliás, equipamentos urbanos cada vez mais negligenciados em tempos de shoppings centers. Embora inúmeros estudos demonstrem os benefícios dos espaços verdes, muitos municípios ainda deixam de fazer a ligação entre a saúde da população e a presença de árvores no ambiente urbano.

A questão é que entre três e quatro milhões de pessoas morrem, em todo o mundo, anualmente, devido a poluição atmosférica e aos seus impactos na saúde humana. Só para se ter ideia, este número estratosférico supera o da população de Salvador. A poluição do ar aumenta o risco de doenças respiratórias crônicas. Há estudos que a associam ainda às doenças cardiovasculares. As ondas de calor nas zonas urbanas também fazem milhares de vítimas todos os anos. Uma solução eficaz, nesse sentido, é ocupar os espaços urbanos com o plantio de árvores.

E se engana quem imagina que as árvores são economicamente inviáveis. Segundo um estudo do Serviço Florestal dos Estados Unidos, cada $1 gasto na plantação de árvores tem um retorno de cerca de $5,82 em benefícios públicos, tais como: redução da poluição atmosférica, dos custos associados ao aquecimento e arrefecimento dos edifícios, das emissões de carbono e a retenção da água da chuva.

McDonald observa: “A comunicação e a coordenação entre os departamentos de parques, florestas e saúde pública de uma cidade são raras. Quebrar estas barreiras pode revelar novas fontes de financiamento para a plantação e gestão de árvores.” Um bom exemplo é o de Toronto, no Canadá, onde o departamento de saúde pública trabalhou em conjunto com o florestal para fazer frente à ilha de calor urbano existente por lá. Como muitos edifícios careciam de ar-condicionado, os dois setores colaboraram de forma a colocarem, estrategicamente, árvores nos bairros onde as pessoas estão particularmente vulneráveis ao aquecimento.

O relatório da TNC ajuda a reforçar que a presença ou ausência de natureza urbana, assim como os seus inúmeros benefícios, é ditada pelo nível de rendimentos de um bairro, o que resulta em desigualdades consideráveis em termos de saúde. A taxa de óbitos entre os homens de meia idade que moram em zonas desfavorecidas com espaços verdes é inferior em 16% à dos que vivem em zonas desfavorecidas mais urbanizadas, de acordo com um estudo da Universidade de Glasgow, na Escócia.

Mas qual é a chave para fazer a ligação entre as árvores urbanas e os seus efeitos positivos na saúde mental e física? Para McDonald, os diversos serviços de saúde devem ver as árvores como um elemento essencial para uma comunidade saudável e habitável, além de uma “estratégia fundamental para a melhoria da saúde pública”.

Em Nova York (EUA), as árvores da cidade propiciam uma economia de US$ 111 milhões anualmente. Na “Big Apple”, o departamento de parques e recreação (NYC Parks) mapeou, em parceria com 2.300 voluntários, 684,5 mil árvores. Praticamente toda a vegetação da metrópole está catalogada em um Mapa de Árvores online e interativo, que cataloga cada espécime e fornece informações sobre seu impacto ambiental e financeiro. Na avenida Sheffield, no Brooklyn, há por exemplo uma unidade da espécie Fraxinus (freixo, em português, ou ash, em inglês). Só ela retém 3,7 mil galões de água de chuva anualmente – e poupa aos cofres municipais, por ano, US$ 348 dólares ao reduzir a emissão de gases poluentes. No mapa, ao clicar em uma árvore, é possível ver informações sobre a espécie, a folha, o diâmetro, o endereço com número onde a árvore está e sua foto, pelo Google Street View.

Um estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Parthenope de Nápoles, na Itália, revela que ao se plantar 20% a mais de árvores em grandes cidades, é possível dobrar os benefícios fornecidos por essas plantas ao meio ambiente e aos habitantes. Theodore Endreny e sua equipe utilizaram a ferramenta on-line i-Tree Canopy para estudar florestas urbanas de dez metrópoles: Pequim, Buenos Aires, Cairo, Istambul, Londres, Los Angeles, Cidade do México, Moscou, Mumbai e Tóquio. Na análise, foram consideradas questões como as espécies arbóreas, a população humana, a poluição no ar e o uso de energia.

Todavia, é sempre válido lembrar que o processo de arborização deve ser bem planejado. É fundamental a assistência de pessoas especializadas, como engenheiros agrônomos, para que a árvore não seja plantada perto de caixas de telefone, fiação e esgotos. Além disso, a planta precisa ter características capazes de sobreviver ao ambiente urbano.

De qualquer forma, fazer com que as cidades sejam mais arborizadas é uma responsabilidade de todos: governos, empresas e cidadãos em geral. O que não podemos mais aceitar, em pleno século 21, é que rios de dinheiro que saem dos nossos próprios bolsos, por meio de impostos, acabem destinados ao tratamento de doenças que poderiam ser evitadas caso o lugar em que moramos fosse mais verde e, consequentemente, dotado de mais qualidade de vida.

Cidades mais verdes = população mais saudável. Esta é a conta que precisa ser compreendida.

Murilo Gitel é jornalista especializado em sustentabilidade e editor do Notícia Sustentável. Foi repórter, coordenador do plantão de notícias e diretor de conteúdo do EcoD. Na Rádio CBN Salvador comandou a coluna Soluções Sustentáveis. Contribui periodicamente para o canal CORREIO Sustentabilidade, do jornal CORREIO, e para a agência de notícias Eco Nordeste.