Paulo Rogério Nunes

Emergência Econômica: ou agimos agora ou será tarde demais

Há um ditado muito conhecido nos Estados Unidos e ironicamente pertinente com o momento que estamos vivendo com a pandemia do Covid-19. Diz assim: “Quando os Estados Unidos pegam uma gripe, os Afro-americanos pegam pneumonia”, ou seja, quando algo de ruim acontece por lá, a parte mais fragilizada na sociedade sofre com mais força o impacto do
problema.

Essa expressão foi um dos temas abordados no painel “State of Emergecy” organizado pelo rapper e empresário, Sean Combs (P.Daddy) que reuniu ativistas, comunicadores e políticos afro-americanos a exemplo da congressista Alexandria Ocasio-Cortez, o comentarista da CNN, Van Jones e o lendário ativista Al Sharpton na Revolt TV, canal de TV e site especializado em cultura hip hop criado por P.Daddy.

Veja aqui:
https://www.revolt.tv/watch/2020/4/9/21215745/diddy-covid-19-town-hall-video

O tema, como disse o rapper estadunidense em sua convocação, é de “vida ou morte”, uma vez que as estatísticas mostram que a Covid-19 tem afetado de maneira desproporcionalmente grave os descendentes de africanos nos Estados Unidos, principalmente em cidades com grande concentração negra como Nova Orleans, Chicago e Nova Iorque.

No Brasil, não é diferente. Pelo contrário, pode ser ainda pior. Apesar da pobreza similar entre as comunidades afro do Brasil e dos Estados Unidos, temos ainda uma estrutura urbana ainda mais deficitária em favelas brasileiras e cerca de 100 milhões de pessoas sem esgotamento
sanitário adequado, segundo dados do Instituto Trata Brasil.

Dados do Ministério da Sáude do Brasil publicado pela mídia mostram que a letalidade entre pessoas de ascendência africana já é maior em relação aos descendentes de europeus vivendo no Brasil. Ou seja, estamos falando de uma “bomba relógio” do ponto de vista da saúde pública.

Do ponto de vista econômico, a situação é igualmente preocupante. Milhares de pequenos negócios locais estão com dias contados, haja vista que não conseguem acesso ao crédito bancário e não possuem capital de giro para sobrevirem. Sem contar o número de empregados formais que nesse momento estão sendo demitidos.

O tecido social brasileiro já fragilizado por anos de descaso em relação a políticas públicas para os segmentos mais violentados e empobrecidos deverá ser esticado até o último fiapo, se não agirmos rápido e de maneira organizada.

É papel de o Estado brasileiro fazer o que as grandes potenciais ocidentais e asiáticas estão fazendo nesse momento com estímulo para a manutenção dos empregos e dos pequenos negócios. Aliás, é preciso frisar que nesse momento a prioridade deve ser a garantia dos empregos e não da manutenção, a princípio, do lucro dos acionistas, como disse, em outras palavras, em entrevista a MSNBC o ex-executivo do Facebook, Chamath Palihapitiya que é o CEO de um fundo de investimento, o Social Capital. Ver aqui: https://www.buzzfeednews.com/article/juliareinstein/coronavirus-cnbc-viral-interview-let-billionaires-go

Precisamos de um novo pacto social, um acordo de longo prazo onde a iniciativa privada possa olhar para além do imediato (como a distribuição de cestas básicas — medida necessária, por hora), pensando em investimentos sociais de verdade ao passo que busquem diminuir suas margens de lucro em prol da sustentação da vida de seus consumidores (os do passado, do presente ou do futuro).

Vamos precisar também de um Estado eficiente chegando aonde ele nunca chegou, garantindo saúde, educação e oportunidades. E, por fim, vamos precisar da sociedade civil ainda mais forte do que foi antes da crise do Covid-19.

Há cerca de um mês, me juntei (na condição de um dos representantes da aceleradora Vale do Dendê) a um grupo de organizações que fomentam o empreendedorismo nas periferias do Brasil para criarmos uma coalizão chamada ÉdiTodos (www.editodos.com.br) com objetivo de
criar um fundo de apoio aos pequenos empreendedores e denunciar o estado de “Emergência Econômica” que estamos vivendo.

Sim! Emergência é uma palavra muito importante nesse momento. Assim como temos dentro dos governos os decretos de “calamidade pública”, deveríamos ter esse conceito executado também nas empresas, para que elas pudessem flexibilizar suas regras orçamentárias nesse momento caótico e realizar o máximo transferência de renda possível, inclusive com os recursos que seriam usados com publicidade num cenário pré-crise. Que tal usar esse recurso para investir nas comunidades nesse momento?

Essa talvez seja uma das crises humanitárias que mais deixa explícito que nós como habitantes do planeta terra somos interdependentes. Todos, sem exceção, estamos vivendo essa pandemia (sem limites geográficos ou de qualquer outra natureza), mas é claro, que por conta das desigualdades uns sofrerão uma conseqüência maior que outros.

Portanto, esse é o momento de colocamos em prática a tão falada solidariedade indo para a raiz do problema, como bem lembrou o escritor Josué de Castro em seu livro “Geografia da fome” na década de 1980. “Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme,
com medo da que não come”. Que saíamos dessa crise fazendo o certo, o justo e o necessário para mudar essa realidade.

Paulo Rogério Nunes é publicitário, empreendedor e consultor em diversidade. É da rede alumni do Berkman Klein Center da Universidade Harvard e foi fellow da Fulbright na Universidade de Maryland. Também é sócio da Afar Ventures, uma empresa com sede nos Estados Unidos, de atração de investimentos para o Brasil. Atua também como palestrante e consultor na Casé Fala criando estratégias para várias empresas. Foi escolhido como um dos afrodescedentes mais influentes do mundo, em 2018, pela organização Most Influential People of Africa Descent (MIPAD). É professor do curso de Comunicação Social da Universidade Católica do Salvador e já prestou consultoria para várias organizações internacionais. Foi escolhido para um encontro privado com o ex-presidente Barack Obama no Brasil e foi o único brasileiro convidado para palestrar no primeiro evento internacional da Fundação Obama, em Chicago. Paulo Rogério é também cofundador da Vale do Dendê, que acelera e investe em startups da área criativa e digital em Salvador, Bahia


A diversidade é o combustível para inovação

Empreendedorismo, diversidade e inovação são palavras que normalmente não são vistas na mesma frase. Porém, nos últimos anos uma tendência parece ser irreversível: o aumento de negócios com foco em diversidade tornaram-se uma realidade. Essa tendência global ainda está fora de radar de grandes empresas, agentes públicos e profissionais brasileiros. Seja por desconhecimento, falta de visão estratégica ou por puro preconceito.

Escrevi o livro “Oportunidades Invisíveis” justamente para mostrar o poder dessas oportunidades muitas vezes ignoradas por conta do racismo, machismo e demais formas de opressões que estão do nosso lado. A população negra, por exemplo, movimenta por ano 1,7 trilhão de reais, segundo dados do Instituto Locomotiva, porém ainda é discriminada e ignorada pela publicidade e no mundo corporativo.

Reuni nessa obra, insights de 15 anos de trabalho com o empreendedorismo social para mostrar que há muita gente vendo além, criando novos negócios com temas que muitas pessoas ignoram. Eu conto no livro muitas dessas histórias incríveis. Por exemplo, você sabia que temos no Brasil temos uma rádio online que lança artistas indígenas no mercado da música? Uma plataforma digital de turismo focada no mercado afro e outra voltada para o público LGBTI+? Que há um aplicativo de transporte com milhões de downloads dedicado apenas para mulheres que é o maior do mundo no segmento? Sim, há muitas inovações quase desconhecidas pelo grande público, mas que tem gerado e renda para muitas pessoas.

A inovação, aliada à diversidade, está representando um novo e próspero mercado para quem vê além do senso comum. Compreender o poder dessas oportunidades é fundamental. No livro eu respondo perguntas como: o que faz esses empreendedores enxergar abundância onde todos veem escassez? Como eles conseguem ser mais inovadores que as empresas tradicionais? Quais lições podemos aprender com eles para nossos projetos? Busco em minhas pesquisas estudar como em países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Quênia, Etiópia e África do Sul a diversidade gera novas oportunidades.

Com tanta desigualdade ainda estamos entre as dez maiores economias do mundo. Imagine se realmente criássemos um ambiente favorável aos empreendimentos e inovações que surgem nas periferias? Certamente o Brasil seria muito mais competitivo na economia global. Nasci em uma periferia e sei muito bem do potencial desses territórios. O mundo se parece muito mais com as periferias do Brasil, do que com o Vale do Silício. Portanto, temos muito para contribuir. O Brasil ainda está muito distante de um entendimento de que o investimento na diversidade, além de ser socialmente justo é o combustível da inovação. Precisamos agir rápido para criar um país mais justo, próspero, diverso e sustentável.

Paulo Rogério Nunes é publicitário, empreendedor e consultor em diversidade. É da rede alumni do Berkman Klein Center da Universidade Harvard e foi fellow da Fulbright na Universidade de Maryland. Também é sócio da Afar Ventures, uma empresa com sede nos Estados Unidos, de atração de investimentos para o Brasil. Atua também como palestrante e consultor na Casé Fala criando estratégias para várias empresas. Foi escolhido como um dos afrodescedentes mais influentes do mundo, em 2018, pela organização Most Influential People of Africa Descent (MIPAD). É professor do curso de Comunicação Social da Universidade Católica do Salvador e já prestou consultoria para várias organizações internacionais. Foi escolhido para um encontro privado com o ex-presidente Barack Obama no Brasil e foi o único brasileiro convidado para palestrar no primeiro evento internacional da Fundação Obama, em Chicago. Paulo Rogério é também cofundador da Vale do Dendê, que acelera e investe em startups da área criativa e digital em Salvador, Bahia.