Oficina de Planejamento Integrado visa a conservação do mico-leão-da-cara-preta

Gabriel Marchi
O habitat preferencial do mico-leão-da-cara-preta inclui florestas de restinga e áreas de transição entre a restinga e a floresta ombrófila densa de terras baixas/Foto: Gabriel Marchi

A Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), em parceria com importantes instituições brasileiras, foi a organizadora da V Oficina de Planejamento Integrado do Programa Mico-Leão-da-Cara-Preta, realizada na RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Airumã, em Santa Felicidade, Curitiba, nos dias 8, 9 e 10 de abril.

Participaram integrantes do CPB (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros)/ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação para a Biodiversidade), Núcleo de Gestão Integrado de Antonina/Guaraqueçaba/ICMBIO, do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), da Coordenadoria de Fauna Silvestre e Fundação Florestal – vinculada à SEMIL (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística), da Reserva Paulista/Zoológico de São Paulo e Zoológico de Curitiba, do IAT (Instituto Água e Terra do Paraná), do Batalhão de Polícia Ambiental, da Universidade do Estado de Minas Gerais, da Universidade Federal do Paraná, da UNESP, da AZAB (Associação dos Zoológicos e Aquários do Brasil), do IPEC (Instituto de Pesquisas Cananéia) e Tríade (Instituto Brasileiro  para Medicina da Conservação).

O evento integrou representantes, principalmente, dos estados do Paraná e de São Paulo, com o objetivo de articular ações e soluções estratégicas para a conservação do mico-leão-da-cara-preta, que é endêmico da Mata Atlântica e cuja população é estimada atualmente em menos de 400 indivíduos. Por essa razão, a espécie foi classificada como “em perigo” pela Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA). As principais ameaças ao mico estão relacionadas ao isolamento de populações causado pela desconexão de habitat natural, além da perda e fragmentação de áreas continentais de distribuição da espécie.

O mico-leão-da-cara-preta é uma espécie endêmica de uma porção da planície litorânea, localizada “no coração” da GRMA.

Um encontro multidisciplinar

O encontro, moderado por Sueli Ota, por meio de sua agência TAOWAY Sustentabilidade Socioambiental, contou com a participação de especialistas, pesquisadores, representantes de órgãos governamentais e entidades dedicadas à conservação da espécie, sendo um momento oportuno de integração e planejamento. Sueli já foi coordenadora de Biodiversidade e Florestas na Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Paraná e Coordenadora da Câmara Temática de Biodiversidade do Conselho Estadual do Meio Ambiente.

Durante os três dias de programação, os participantes tiveram acesso a uma programação diversificada, que incluiu uma apresentação da trajetória do Programa de Conservação do mico-leão-da-cara-preta por Elenise Sipinski, coordenadora dos programas de fauna da SPVS, e análises dos resultados dos projetos conduzidos em Paraná e São Paulo.

A oficina também se caracterizou por dinâmicas de sensibilização e sessões de trabalho em grupo, durante as quais foi elaborado um Plano Operacional Estratégico para a conservação da espécie, que define medidas para enfrentar desafios como a fragmentação de habitat, a baixa diversidade genética, riscos de zoonoses e as pressões associadas a projetos de infraestrutura, por exemplo.

Saúde Única

A oficina também incorporou a abordagem da Saúde Única, ressaltando a interconexão entre a saúde humana, animal e ambiental para a conservação das espécies e qualidade de vida humana. Essa perspectiva evidencia que a proteção do mico-leão-da-cara-preta não depende apenas de ações técnicas específicas de manejo e monitoramento da espécie, mas também do equilíbrio dos ecossistemas, da conservação da biodiversidade e da prevenção de zoonoses.

“Ao integrar especialistas de disciplinas das áreas de saúde e conservação, o conceito ‘Uma Só Saúde’ reforça a importância de práticas de conexão e equilíbrio ecológico que minimizem riscos sanitários e assegurem a sustentabilidade dos habitats naturais, contribuindo decisivamente para a viabilidade da espécie a longo prazo”, disse Thaís Guimarães Luiz, médica veterinária e Especialista Ambiental na Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo.

Reflexões e perspectivas para o futuro

Monica Montenegro, coordenadora do Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Primatas da Mata Atlântica e das Preguiças-de-Coleira, destacou a necessidade de inovar e intensificar esforços de conservação da espécie. Ela lembrou desafios impostos pelo isolamento das populações, sobretudo, diante da barreira criada pelo Canal do Varadouro, um canal artificial que começou a ser aberto pelos moradores do litoral do Paraná e de São Paulo em 1950.

Na sequência, foram iniciadas as obras de iniciativa governamental, dando forma oficial a passagem e o canal foi inaugurado em 1952. O Canal do Varadouro tem aproximadamente seis quilômetros de extensão e, nos últimos anos, tem sido usado para fins turísticos e esportivos, o que também representa uma problemática para o mico, que só tem naquela região a morada em que sobrevive e fica pressionada pela presença e alterações humanas no local.

Por algum tempo, o canal transportou pessoas e mercadorias entre Paranaguá e Cananeia, mas com a construção da BR-116 na década de 1960, perdeu importância e, hoje, somente moradores de comunidades locais o usam, com pequenas embarcações sem causar impactos.

Existe, porém, um plano do governo do Paraná de fazer a dragagem no trecho assoreado do canal e deixá-lo com 2,4 metros de profundidade e até 30 metros de largura — alguns trechos a largura será de 20 metros. De acordo com o anteprojeto elaborado pela Universidade Livre do Meio Ambiente (Unilivre) a partir de um contrato celebrado com o Paraná Projetos, seria necessária a retirada de cerca de 340 mil metros cúbicos de sedimentos. Com a dragagem e a retomada da navegação, a aposta do governo é fomentar o turismo na região com a melhoria da sinalização e construção de apoios náuticos

“A distribuição extremamente restrita da espécie a pequenos fragmentos florestais e a baixa quantidade de indivíduos já causam isolamento genético. Isso aumenta o risco de endogamia, o que pode levar à perda de resistência a doenças, menor fecundidade e alterações comportamentais. Alterar ainda mais o Canal do Varadouro pode trazer consequências ainda mais drásticas e danosas para a espécie, que já é tão pressionada e corre riscos tão significativos”, explicou Monica.

Construções coletivas

No encontro, Elenise Sipinski ressaltou a importância das ações coordenadas pela SPVS, que envolvem o monitoramento dos grupos de mico, pesquisa sobre ecologia e área de vida da espécie, atualização da estimativa populacional e iniciativas de engajamento comunitário, além de ações de educação para a conservação.

“A oficina representou um marco no diálogo intersetorial e na construção coletiva de estratégias para restabelecer a conectividade entre áreas protegidas e aprimorar o manejo populacional do mico-leão-da-cara-preta. As propostas desenvolvidas durante o evento, que se estenderão em um novo ciclo de ações até 2030, reforçam o compromisso da SPVS e de seus parceiros com a preservação da biodiversidade e o desenvolvimento a partir da conservação da Grande Reserva Mata Atlântica. Essa articulação não só fortalece a pesquisa e a gestão pública, mas também impulsiona o engajamento das comunidades locais na proteção de um patrimônio natural insubstituível”, disse a coordenadora.

Para Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS, a iniciativa reafirma a importância da cooperação interdisciplinar e das parcerias estratégicas para garantir não apenas a sobrevivência do mico-leão-da-cara-preta, mas também a manutenção dos complexos ecossistemas que sustentam a diversidade biológica e a qualidade de vida nas regiões onde a espécie ocorre.

“O mico-leão-de-cara-preta é uma espécie emblemática e que colabora com a necessidade premente de manter conservadas as áreas incluídas na Grande Reserva Mata Atlântica. O incremento substancial da gestão das Unidades de Conservação em São Paulo e no Paraná, onde ocorre esta espécie, é fator decisivo. Vem como a abertura de possibilidades de atração ao turismo ordenado nestas áreas, como forma de gerar empregos e renda as comunidades lindeiras a partir do conjunto de atrativos naturais existentes”, completa o diretor.

Sobre o mico-leão-da-cara-preta

O habitat preferencial do mico-leão-da-cara-preta inclui florestas de restinga e áreas de transição entre a restinga e a floresta ombrófila densa de terras baixas. Essas áreas são caracterizadas por vegetação arbórea de médio porte, rica em lianas, epífitas e palmeiras. A distribuição geográfica da espécie é estimada em aproximadamente 300 km², tornando-a uma das espécies de primatas com menor área de ocorrência conhecida.

Leave a Comment

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

*