
Nove em cada dez brasileiros concordam que o aumento do nível do mar representa uma ameaça real para as cidades costeiras. Para 85% da população, o aquecimento das águas do oceano influencia diretamente a ocorrência de eventos climáticos extremos no continente, como secas, furacões e inundações em áreas urbanas e rurais. Apesar da preocupação, a população está disposta a agir: 87,6% dos entrevistados afirmaram estar dispostos a mudar seus hábitos em prol da conservação marinha.
Os dados fazem parte da nova pesquisa “Oceano sem Mistérios: A relação dos brasileiros com o mar – Evolução de Cenários (2022–2025)”, realizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza em cooperação com a UNESCO, Maré de Ciência e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo será apresentado na 3ª Conferência do Oceano das Nações Unidas, realizada de 9 a 13 de junho em Nice, na França.
A pesquisa traça um novo retrato da relação da população com o oceano, três anos após a primeira edição, realizada em 2022. Além de trazer dados inéditos sobre a conexão entre oceano e clima, o levantamento aponta um aumento na disposição dos brasileiros em adotar hábitos mais sustentáveis. Mas, mesmo com as boas intenções, apenas 7% da população participou de alguma atividade voltada à conservação do mar nos últimos 12 meses.
“Notamos que a conexão da sociedade com o tema está em transformação. Em três anos, a disposição dos brasileiros em mudar hábitos a favor do oceano aumentou 5,4 pontos percentuais”, destaca Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário. “Existe uma clara predisposição para agir de forma mais consciente, mas precisamos estimular ações práticas e disseminar mais conhecimento sobre o assunto”, completa.
A percepção pública acompanha o que a ciência tem demonstrado. Desde 1901, o nível médio do mar subiu 20 centímetros — sendo 9,4 centímetros apenas desde 1993, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a NASA. O levantamento indica que a maioria dos brasileiros também reconhece a influência do oceano em fenômenos climáticos que ocorrem longe do litoral. Quando confrontados com a afirmação de que queimadas não têm relação com as condições oceânicas, 51% discordam, 11% se dizem neutros e 38% concordam com a afirmação.
“O aquecimento recorde das águas oceânicas entre 2023 e 2024 agravou a seca histórica na Amazônia, por exemplo, aumentando as queimadas não apenas na região amazônica, mas em todos os biomas do país. Em termos climáticos todos os ecossistemas estão interligados”, explica Ronaldo Christofoletti, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Co-Presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da UNESCO.
Segundo o pesquisador, essa percepção da população é fundamental. “O clima global e as condições meteorológicas dependem do oceano. Ele absorve e distribui calor pelo planeta por meio das correntes marítimas e influencia diretamente a formação de chuvas, frentes frias, furacões e outros eventos climáticos. Portanto, cuidar do oceano é cuidar do planeta, cuidar da nossa casa”. Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostram que, desde março de 2023, as temperaturas médias das águas oceânicas permaneceram entre 0,5ºC e 0,7ºC acima da média histórica. “É como se o oceano estivesse febril”, exemplifica Christofoletti.
A população também reconhece a fragilidade dos ecossistemas costeiros. Para 84% dos entrevistados, o oceano e seus ecossistemas estão sob ameaça ou risco. Outros 13% discordam dessa percepção, e 3% não souberam responder. Entre as ameaças mais citadas estão a poluição (40%), efeitos da mudança climática (22%), perda da biodiversidade e turismo irresponsável (13%) e crescimento urbano e especulação imobiliária (11%).
Conexão com a vida cotidiana
Metade da população (49%) reconhece que o oceano impacta diretamente sua vida, enquanto 19% acreditam em impactos indiretos e 29% dizem que não sentem qualquer influência. Esses números se mantêm estáveis em relação à edição anterior da pesquisa, dentro da margem de erro.
Quando perguntados sobre os impactos percebidos, os mais citados foram alimentação (20%), água (14%), qualidade de vida e bem-estar (14%), mudança climática (14%) e aquecimento global (14%). Na edição de 2022 da pesquisa, os destaques foram poluição (14%) e alimentação (12%). “A comparação indica que as pessoas já conseguem identificar que o oceano gera mais conexões com o seu cotidiano. Aos poucos, percebemos um aumento na consciência sobre a importância de um oceano limpo, saudável e sustentável para a nossa qualidade de vida”, avalia Malu Nunes.
Por outro lado, apenas 30% das pessoas compreendem que suas ações influenciam diretamente na saúde do oceano, 23% consideram que as atitudes impactam de forma indireta e 44% acreditam que suas ações não impactam em nada os mares, enquanto 3% não souberam responder. Os impactos mais mencionados causados pelas atitudes humanas são o descarte de lixo (30%), poluição (29%), embalagens (8%), reciclagem (8%), consumo (8%), geração de resíduos (7%), aquecimento global (6%) e consumo de água (6%).
“Os dados reforçam a importância de se promover a aprendizagem e a conscientização sobre o impacto das ações humanas na saúde do oceano, bem como enfatizam a necessidade de se ampliar o conhecimento sobre o papel fundamental do oceano no equilíbrio do planeta”, afirma a diretora e representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto.
Década do Oceano
A ONU declarou o período de 2021 a 2030 como a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável, com o objetivo de incentivar a geração de conhecimento sobre o oceano e sua importância. A pesquisa revela que o conhecimento dos brasileiros sobre esse movimento global está crescendo: 11% dos entrevistados já conhecem a Década, um aumento de 4 pontos percentuais em relação à pesquisa de 2022.
“A UNESCO considera a Década do Oceano uma oportunidade única para que a comunidade científica e os diversos atores interessados desenvolvam as ações necessárias a fim de aprimorar o conhecimento acerca do oceano e de sua conservação. Além disso, como agência líder para a Década, a UNESCO incentiva a formulação de soluções baseadas na ciência que promovam a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos”, avalia Marlova Noleto.
Sobre a pesquisa
Foram realizadas 2 mil entrevistas presenciais com adultos de todos os gêneros e classes sociais, em todas as regiões do país. A coleta foi conduzida pela Zoom Inteligência em Pesquisas, entre 12 de fevereiro e 7 de abril de 2025. Entre os entrevistados, 62% residem em capitais e 41% vivem em cidades litorâneas. A margem de erro é de 2,2%, com nível de confiança de 95%.