Grandes anunciantes alocam verba para investir em mídia negra

No Brasil, justamente por falta de investimento, a propriedade negra de comunicação tradicional é quase nula, mas há um forte movimento de mídia digital negra, desde os anos 1990, que agora ganha ainda mais volume/Foto: Soundtrap/Unsplash

Mais de um ano depois da intensa movimentação pelos protestos contra o racismo em escala global após o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos, e do compromisso público das empresas em apoiar a causa do empoderamento negro, chegou a hora de começar a ver as ações práticas das milhares de hashtags nas redes sociais, dizem os grupos atvistas negros.

Com o aprofundamento da pandemia e com o fosso social e racial cada vez maior, o que se espera nesse momento é uma prestação de contas do real compromisso das empresas com o tema.

Nos Estados Unidos essa cobrança tem sido feita por vários ativistas, porém um segmento especial vem chamando a atenção e tomando grande proporções no debate público: o investimento da verba publicitária das corporações na chamada “black owned media”, algo que pode ser traduzido como “empresas de mídia de propriedade negra”.

Na prática, estamos falando de jornais, TVs, rádios ou veículos digitais (portais, serviços de streamings etc) que, nos Estados Unidos, são muito numerosos, a exemplo de veículos como Revolt TV, Ebony Magazine, Urban Edge Networks e The African Channel.

Anúncios recentes

Recentemente, empresas como a montadora GM anunciaram que irão destinar 8% de sua verba publicitária para empresas de mídia negra, após proprietários de veículos desse segmento, como o empresário Byron Allen (que possui dezenas de canais a exemplo do  Weather Channel e do The Grio) acusarem a companhia de discriminação racial por investirem somente 0,5% da sua verba publicitária de US$ 2,7 bilhões em mídias controladas por afrodescendentes.

Em março de 2021, Allen publicou um anúncio de página inteira em vários jornais importantes dos Estados Unidos, acusando a CEO da General Motors, Mary Barra, de discriminação. A carta também foi assinada por Ice Cube, Roland Martin, Don Jackson,  Earl ‘Butch’ Graves da revista Black Enterprise, Junior Bridgeman dono da Ebony Magazine, e Todd Brown, da Urban Edge Networks.  A carta dizia que a GM recusou vários pedidos de Allen e seus associados para uma reunião pessoal.

Outras iniciativas

Na sequência da polêmica, o grupo global de agências de publicidade WPP anunciou que destinaria 2% de seu mega orçamento para empresas negras de mídia com o programa “Boost Black Media”.

Outra grande gigante de publicidade global a anunciar investimento na mídia negra é a IPG Mediabrands, que deve alocar até 5% do seu  orçamento global em mídia negra até 2023. Aqui no Brasil a empresa é braço do Grupo Interpublic, que concentra empresas de mídia, data, tecnologia e conteúdo.

Outras empresas que também manifestaram interesse em apoiar a mídia negra nos Estados Unidos foram  a cadeia de supermercados Target, a empresa de telefonia Verizon e  a gigante Procter & Gamble.

No Brasil, justamente por falta de investimento, a propriedade negra de comunicação tradicional é quase nula, mas há um forte movimento de mídia digital negra desde os anos 1990, que agora ganha ainda mais volume.

Alguns são veículos e startups de propriedade negra, enquanto outros são direcionados para esse público. Sem contar que há no ecossistema centenas de influenciadores e produtores de conteúdos independentes.

O processo de mídia negra no Brasil vem se acelerando. De 2019 para cá foram lançados canais de TV como Trace Brasil  e BET (do grupo Viacom), serviços de streaming  e canais digitais como a Wolo TV,   Cultne.TVTodes Play e AFRO.TV, que está em fase pré operacional e deve lançar no final do ano um serviço de streaming com foco em entretenimento e um canal digital de notícias.

Além disso, há dezenas de portais e  em operação há mais tempo como o Notícia Preta, Voz das Comunidades, Correio Nagô, Mundo Negro, Alma Preta dentre outros. Soma-se ao ecossistema organizações sociais e escolas de comunicação que fazem treinamento de profissionais preto/as, como o Instituto Mídia Étnica.

Recentemente, o especial “Agências e Anunciantes”, do Meio & Mensagem, trouxe o ranking das marcas que mais compram mídia no Brasil. As dez maiores incluem a Unilever (na primeira posição) com R$ 1,5 bilhão, Bradesco (cerca de R$ 500 milhões) e a Sky Brasil que cresceu 86% do seu orçamento com mais de R$ 800 milhões em investimento. Outras empresas no ranking são a Telefônica, B2W e Via Varejo.

A pergunta que fica é: quanto do orçamento dessas grandes empresas está sendo direcionado para a mídia negra?

Segundo pesquisa da AFAR Ventures, encomendada ao Instituto Locomotiva sobre o consumo de conteúdo pela comunidade negra, um em cada três entrevistados preferem ver filmes com protagonistas negros, porém 63% das pessoas pretas acham dificil achar filmes com esse perfil inclusivo.

Certamente se houvesse um direcionamento de verba no Brasil de ao menos 5% da verba publicitária para a comunidade negra (que representa 56% dos consumidores) teríamos mais geração de empregos diversos no setor de comunicação, uma pluraridade de vozes e narrativas maior na mídia e novas abordagens com os consumidores cansados de uma comunicação tão padronizada e homogênea.

2 Comments

  1. Parabenizamos pela matéria e agradecemos a citação ao nosso trabalho. Acreditamos ter havido um erro de digitalizaçao qiantp ao nosso projeto. O nome.correto.é Cultne.TV. Para saber mais é só acessar http://www.cultne.org.br Gratidão

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