Henrique Andrade Camargo

A conspiração da lâmpada elétrica e a obsolescência programada

Mesmo que você nunca tenha ouvido falar dela, certamente já foi vítima e, posso quase garantir, já sabia de sua existência mesmo sem nunca ter ouvido seu nome. Estou falando da obsolescência programada, uma prática industrial que intencionalmente reduz a vida útil de um bem de consumo para forçar sua substituição por outro produto similar novo o mais rápido possível. Nesse sentido, gostei muito da reportagem publicada anos atrás por Tatiana de Mello Dias, no Estadão, para definir o termo: “Programado para morrer”.

Em sua matéria, Tatiana levanta os pontos abordados no documentário The Light Bulb Conspiracy (A conspiração da lâmpada elétrica, em tradução livre), da diretora Cosima Dannoritzer. O filme conta a história de como a indústria tem trabalhado por quase 100 anos para promover o aumento do consumo e o crescimento econômico produzindo produtos de qualidade inferior.

Tudo começa com as lâmpadas elétricas, as primeiras vítimas da obsolescência programada. Na década de 1920, um cartel de fabricantes de luzes decidiu que elas não deveriam durar mais do que mil horas. Naquela época, boa parte das lâmpadas duravam até 2,5 mil horas.

Outros dois casos são emblemáticos no documentário. Um levanta a questão das impressoras a jato de tinta. Elas teriam um sistema especialmente desenvolvido para travar o equipamento depois de um certo número de páginas impressas, sem a possibilidade de reparo, claro (pelo menos oficialmente). O outro trata do primeiro iPod da Apple, cuja bateria foi minuciosamente desenhada para durar pouco, também sem a possibilidade de substituição.

O ruim disso tudo são os desperdícios de recursos naturais e o lixo criado de forma desnecessária, que em muitos casos são enviados para os países pobres como se fossem produtos de segunda mão. Uma lei internacional proíbe que lixo eletrônico seja levado de um país para outro.

O bom é que o movimento para acabar com isso tem ganhado força. No caso da impressora, por exemplo, criou-se um programa que zera a contagem de impressões, fazendo com que a máquina continue funcionando normalmente. Já a Apple sofreu retaliação de clientes e processos judiciais, vendo-se obrigada a trocar as baterias fracas e a estender a garantia dos tocadores de música.

Assista ao documentário aqui (em inglês):

Era uma vez ….. produtos eram para durar. Então, no início da década de 1920, um grupo de empresários constataram o seguinte: “Um produto que se recusa a se desgastar é uma tragédia para o negócio” (1928).
Assim nasceu a “Obsolescência Planejada”. Pouco depois, foi criado o primeiro cartel do mundo especificamente para reduzir a vida útil das lâmpadas incandescentes, um símbolo de inovação e de novas ideias brilhantes, e a primeira vítima oficial da obsolescência planejada.

Durante a década de 1950, com o nascimento da sociedade de consumo, o conceito adquiriu um significado completamente novo, como explica o designer flamboyant Brooks Stevens:
“obsolescência planejada, o desejo de possuir alguma coisa um pouco mais nova, um pouco melhor, um pouco mais cedo do que necessário …’.

A sociedade do crescimento floresceu, todo mundo tinha tudo, as sucatas foram se acumulando, de preferência bem longe, em lixões ilegais no Terceiro Mundo, até que os consumidores começaram a se rebelar…

*Henrique Andrade Camargo é correspondente do Notícia Sustentável em Praga, República Tcheca. Jornalista com pós-graduação em Gestão Socioambiental pela FIA/USP., tem reportagem publicada no especial “As 20 melhores matérias da história da Super” (Superinteressante), ganhou medalha de ouro do prêmio Malofiej e, como editor-chefe do Mercado Ético, venceu o Prêmio Jornalistas & Cia/ HSBC de Imprensa e Sustentabilidade. Do centro da Europa, acompanha os passos do Velho Mundo rumo a uma economia sustentável.