É o momento das cidades: não há saída sem investimento em desenvolvimento sustentável

Em artigo para o Dia Mundial das Cidades deste ano, a diretora executiva do Programa da ONU para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Maimunah Mohd Sharif, argumenta que chegou a hora de expandirmos drasticamente os investimentos em cidades e comunidades sustentáveis. Foto: © Jeswin Thomas/Unsplash
Em artigo para o Dia Mundial das Cidades deste ano, a diretora executiva do Programa da ONU para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), Maimunah Mohd Sharif, argumenta que chegou a hora de expandirmos drasticamente os investimentos em cidades e comunidades sustentáveis/Foto: © Jeswin Thomas/Unsplash

Por Maimunah Mohd Sharif*

Vivendo em cidades, 6,3 bilhões de pessoas precisarão, em 2050, de acesso a abastecimento de água limpa, saneamento funcional e sistemas adequados de esgoto e eliminação de resíduos.

São também 6,3 bilhões de pessoas que precisarão ser transportadas diariamente de forma sustentável e eficiente; abrigadas em assentamentos seguros e saudáveis; e hospedadas em cidades resistentes à mudança climática, eventos climáticos extremos e transmissão de doenças.

População mundial será 68% urbana até 2050

Para dizer claramente: nosso futuro é, sem dúvida, urbano. A urbanização tem sido e continuará sendo uma das megatendências mais poderosas do século 21. Não é de se surpreender, portanto, que cidades bem planejadas sejam fundamentais para o nosso desenvolvimento sustentável.

Durante décadas, as cidades têm sido o motor do crescimento econômico nacional e global. Elas contribuem com mais de 80% do PIB global e apresentam níveis de produtividade mais altos do que os das áreas rurais.

No entanto, as cidades também são uma importante fonte de problemas globais. Elas são a maior fonte de poluição do mundo, contribuindo com 70% das emissões globais de gases de efeito estufa. A rápida urbanização não está mais ocorrendo nos países desenvolvidos, mas é um fenômeno contínuo no mundo em desenvolvimento. Espera-se que cerca de 60% da população dos países em desenvolvimento viva em cidades até 2030 – e mais de 90% do futuro crescimento da população urbana ocorrerá na Ásia, na África e na América Latina.

No entanto, independentemente de onde estejam localizadas, a maioria das cidades não está conseguindo combinar produtividade econômica, inclusão social e sustentabilidade ambiental. Conforme discutido no Relatório Mundial sobre Cidades de 2022: Vislumbrando o Futuro das Cidades, essa atual incapacidade significa que a transformação das cidades e comunidades é necessária para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). As cidades podem, entretanto, desempenhar um papel fundamental no avanço dos ODS se a transformação necessária ocorrer.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico estima que dois terços dos ODS só podem ser alcançados por meio de ações nos níveis local e regional. O ODS No. 11: Cidades e Comunidades Sustentáveis, que visa tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis, não é exceção – mas alcançá-lo terá um custo.

Alcançando o ODS No. 11: o dinheiro fala

Não há uma maneira fácil de calcular os custos da realização do ODS No. 11. Países diferentes terão necessidades de investimento diferentes, dependendo de suas características específicas.

Cidadãos usam o ônibus DART em Dar es Salaam, Tanzânia.
Cidadãos usam o novo sistema integrado de ônibus em Dar es Salaam, capital da Tanzânia/Foto: © Julius Mwelu/ONU-Habitat.

Ainda assim, os resultados de um estudo de 2020 do ONU-Habitat – a agência das Nações Unidas para assentamentos humanos e cidades sustentáveis – mostram que alcançar o ODS No. 11 em uma cidade pequena de um país em desenvolvimento pode custar de US$ 20 milhões a US$ 50 milhões por ano; de US$ 140 milhões a mais de US$ 500 milhões para uma cidade de médio porte em desenvolvimento na Colômbia, Índia ou Bolívia; e de US$ 600 milhões a mais de US$ 5 bilhões para grandes cidades em desenvolvimento como Kuala Lumpur ou Bogotá.

Somente em habitação, estima-se que sejam necessários US$ 4 trilhões por ano para atingir as metas estabelecidas pelo ODS No. 11 sobre habitação adequada para todas as pessoas.

Se não podemos calcular com exatidão o custo da realização do ODS 11, sabemos quanto nos custaria não alcançá-lo. Na pior das hipóteses, as regiões em desenvolvimento pagarão o preço da inação devido às vulnerabilidades e fragilidades estruturais existentes. Por exemplo, as grandes cidades da África perderiam até dois terços de seus recursos financeiros; as condições semelhantes às das favelas se expandiriam; milhões de pessoas seriam empurradas para a pobreza extrema; os efeitos climáticos seriam responsáveis por crises urbanas, com reversão nos ganhos de desenvolvimento alcançados nas últimas décadas,

Portanto, não há saída para o investimento sustentável: o mundo precisa investir em seu futuro urbano, e isso exigirá instrumentos de financiamento inovadores e fontes de financiamento novas e diversificadas.

Financiando o desenvolvimento urbano sustentável

Na atual situação econômica, os governos locais têm enfrentado cada vez mais dificuldades para obter acesso a recursos externos para financiar seu desenvolvimento. Os bancos multilaterais de desenvolvimento continuam sendo importantes provedores de recursos internacionais para o financiamento do desenvolvimento urbano sustentável para muitos governos locais, principalmente os de países de baixa renda e renda média-baixa. Em muitas cidades da África Subsaariana, recursos internacionais continuam sendo a principal fonte de financiamento, representando até 90% ou mais de sua receita local total.

Fechar a lacuna de financiamento da infraestrutura é fundamental para garantir que as cidades possam atender às suas necessidades de desenvolvimento de infraestrutura urbana. Existem métodos alternativos de financiamento que já foram adotados em todo o mundo, permitindo que as cidades e os governos locais desbloqueiem diferentes fontes de capital e, assim, se tornem mais atraentes para os investidores.

[Artigo] O futuro depende de que as pessoas sejam colocadas no centro das cidades

Uma das principais maneiras de as cidades gerarem mais financiamento é investir em si mesmas. Ao melhorar sua própria fonte de receita – ou receitas municipais diretas, como impostos sobre a propriedade, taxas e encargos de usuários – as cidades podem aumentar sua receita absoluta e melhorar sua autonomia fiscal, o que, por sua vez, permite que elas forneçam melhor infraestrutura e serviços urbanos.

Uma mulher usa uma das instalações de lavagem de mãos instaladas pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-Habitat) na favela de Kibera, em Nairóbi.
Uma mulher usa uma das instalações de lavagem de mãos instaladas pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) na favela de Kibera, em Nairóbi/Foto: © Julius Mwelu/ONU-Habitat.

O ONU-Habitat tem incentivado o uso de ferramentas como a Rapid Own-Source Revenue Analysis (ROSRA), projetada para ajudar os governos locais a aumentar suas receitas próprias. Para os governos de cidades pequenas cuja credibilidade não é muito forte, uma abordagem de financiamento agrupado pode ser usada para atender aos requisitos de investimento.

O financiamento combinado também pode ser usado para complementar os escassos fundos públicos com capital do setor privado, com o objetivo de realizar projetos de infraestrutura inovadores e de alto impacto que contribuam para o desenvolvimento sustentável, ao mesmo tempo em que proporcionam retornos financeiros adequados e reduzem os riscos para os investidores.

Da mesma forma, os fundos de desenvolvimento municipal estabelecidos em nível nacional podem canalizar recursos na forma de empréstimos, subsídios e, às vezes, financiamento misto para investimentos em infraestrutura urbana ou habitação. Mais de 60 países já estabeleceram esses fundos de desenvolvimento municipal em todo o mundo.

No entanto, o financiamento do desenvolvimento urbano sustentável não pode ocorrer sem estruturas favoráveis. Por mais que o investimento seja necessário em nossas cidades, o desenvolvimento de um sistema institucional e regulatório sólido será igualmente crucial para gerar e atrair financiamento.

Preparar o cenário para que isso ocorra requer vários ajustes e possíveis reformas, tais como:

  • Estabelecimento de um sistema jurídico e regulatório claro para autorizar e governar os empréstimos dos governos subnacionais e locais e para desenvolver sistemas eficazes e eficientes.
  • Garantia de que haja instituições adequadas, com as habilidades e a capacidade necessárias para estruturar e implementar instrumentos de financiamento e para aproveitar as oportunidades de investimento do setor privado.
  • Monitoramento dos níveis de gastos, das alíquotas de impostos e dos passivos com relação aos instrumentos de financiamento para afetar positivamente a disposição do setor privado de investir.
  • Uso de classificações de crédito para ajudar a demonstrar a credibilidade das cidades a fim de atrair financiamento dos mercados de capital e do setor privado.

No dia 2 de outubro, o mundo comemorou o Dia Mundial do Habitat, que deu início a um mês de atividades e discussões sobre desenvolvimento urbano sustentável, resiliência e crescimento. No Brasil, esse mês foi marcado pelas atividades do Circuito Urbano.

No Dia Mundial das Cidades, comemorado em 31 de outubro, nos concentramos na identificação de ferramentas e serviços necessários para liberar investimentos nas cidades e financiar o desenvolvimento urbano sustentável.

Se quisermos cumprir as promessas dos ODS, são necessárias mudanças e ações ousadas em nível local – e elas são necessárias agora.

*Essa história foi publicada originalmente na série de Crónicas da ONU por Maimunah Mohd Sharif, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat). 

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