O projeto que já restaurou 700 mil hectares de terra na Mata Atlântica

A restauração da Mata Atlântica é parte da estratégia para manter a segurança hídrica de milhões de brasileiros. Foto: © Luca Messer/Unep

Por ONU News

Entre suas plantas de erva-mate, o fazendeiro paraguaio Eger Báez continua sem suar, apesar da temperatura média da manhã se aproximar dos 30°C. Tudo isso porque sua rica safra orgânica é sombreada por uma grande quantidade de árvores.

Convencer e ajudar os proprietários agrícolas a cultivarem mais árvores nativas em suas terras é central para um dos projetos ambientais mais sustentáveis e ambiciosos do mundo: a restauração da imponente Mata Atlântica.

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“Em todo o mundo, nossas florestas estão sob ameaça”, comenta a diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Inger Andersen. “A restauração da Mata Atlântica por meio do envolvimento das comunidades locais é um poderoso lembrete de que a natureza pode curar e oferecer muitos benefícios quando lhe é dada a chance”.

A Mata Atlântica já cobriu uma vasta faixa do Brasil, Paraguai e Argentina. Mas cinco séculos de exploração madeireira, expansão agrícola e o crescimento implacável de cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro, reduziram-na a fragmentos.

Preservar e restaurar

Sob o Pacto Trinacional da Mata Atlântica, 300 organizações têm trabalhado desde 2009 para preservar e restaurar o que restou deste bioma. Elas estão protegendo espécies ameaçadas, como a onça-pintada e o mico-leão dourado, assegurando o abastecimento de água para as pessoas e para a natureza, combatendo e  criando resiliência à mudança climática, e gerando milhares de empregos.

Cerca de 700 mil hectares de terra já foram restaurados e o objetivo é proteger e reviver um milhão de hectares até 2030 e 15 milhões de hectares até 2050 – uma área maior do que a de todo o Nepal, Grécia ou Nicarágua.

Prêmio

A ONU reconheceu o Pacto como uma de suas 10 Iniciativas de Referência da Restauração Mundial. As iniciativas, que podem receber financiamento, aconselhamento ou apoio de divulgação da ONU, mostram como os defensores e as defensoras do meio ambiente estão reparando as paisagens danificadas no âmbito da Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas.

Florestas em fazendas

Báez, de 43 anos, cultiva erva-mate em dois hectares de suas terras em Alto Vera, Paraguai. A área já foi uma vez um terreno vazio, diz ele. Agora Báez lista com orgulho algumas das árvores nativas que estão sombreando sua cultura: viraro, guatambu, cancharana, cedro, peteribí.

Com a ajuda de uma organização não governamental, sua cultura de erva-mate foi certificada como orgânica e tem um preço justo para os compradores, incluindo uma empresa de bebidas nos Estados Unidos da América. Baez insiste que os benefícios financeiros são secundários.

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“A principal razão pela qual eu optei por esta abordagem é minha família”, diz o produtor, pai de três filhos. Ele e seus vizinhos produtores de erva-mate “podem ver que nossos riachos são mais limpos e que nossas famílias não estão expostas a pesticidas perto de nossas casas”.

Alto Vera fica no Alto Paraná, uma região da Mata Atlântica com uma cobertura arbórea relativamente intacta que atravessa as fronteiras dos três países. O trabalho de restauração em áreas como Alto Vera e na província argentina de Misiones foi projetado para unir as principais áreas protegidas do Alto Paraná.

Os corredores naturais são vitais para espécies como as onças-pintadas ameaçadas, ampliando seu habitat e permitindo que diferentes populações se misturem e aprofundem seu pool genético. O número de onças-pintadas no Alto Paraná aumentou em cerca de 160% entre 2005 e 2018.

“As onças-pintadas são bem difíceis de avistar, mas os fazendeiros nos dizem que estão avistando gatos menores, como jaguatiricas e gatos-maracajá, em suas fazendas pela primeira vez em muitos anos e estão felizes em tê-los de volta”, diz Claudia Amicone da Fundação Vida Silvestre, uma organização não-governamental argentina que trabalha para restaurar o Alto Paraná.

Cerca de 700 mil hectares da Mata Atlântica já foram restaurados, e o objetivo é proteger e reavivar um milhão até 2030.
Cerca de 700 mil hectares da Mata Atlântica já foram restaurados, e o objetivo é proteger e reavivar um milhão até 2030/Foto: © Luca Messer/Unep

Segurança hídrica

Mais de mil quilômetros ao leste, a restauração da Mata Atlântica é parte da estratégia para a manutenção da segurança hídrica de milhões de brasileiros.

No Município de Extrema, as autoridades fazem pagamentos anuais por serviços relacionados ao ecossistema aos proprietários de terras que cultivam e mantêm árvores florestais ao redor de nascentes e riachos em fazendas de gado bovino e leiteiro. As medidas ajudam a prevenir a erosão do solo e a proteger a qualidade da água no sistema de reservatórios que abastecem cidades como São Paulo e Campinas.

“Uma ação que é realizada aqui em Extrema, um pequeno município com cerca de 40 mil habitantes, também beneficia mais de 12 milhões de habitantes na grande São Paulo”, diz o gerente de meio ambiente do município, Paulo Enrique Pereira.

Benefícios

As abordagens para a restauração da Mata Atlântica são tão diversas quanto os ecossistemas e comunidades que ali se encontram. Existem iniciativas focadas, por exemplo, na pesquisa científica, construção de parcerias, captação de recursos e desenvolvimento de políticas governamentais, bem como no reflorestamento e na agrofloresta.

Mas, de modo geral, existe uma ênfase no desenvolvimento e disseminação do conhecimento sobre os benefícios de manter as paisagens naturais saudáveis e na inserção das pessoas no centro desse processo.

“Se estamos falando em manter os ecossistemas, os biomas de uma região, precisamos conversar e trabalhar com as comunidades que estão lá”, diz Taruhim Quadros da Aliança Trinacional para a Mata Atlântica. Somente as comunidades podem “estar lá constantemente protegendo, batalhando, gerenciando e colaborando para que ela seja sustentada em longo prazo”.

A Assembleia Geral da ONU declarou os anos de 2021 a 2030 como a Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas . Liderada pelo Pnuma e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), juntamente com o apoio de parceiros, ela foi projetada para prevenir, deter e reverter a perda e degradação dos ecossistemas em todo o mundo.

O objetivo é revitalizar bilhões de hectares, cobrindo tanto ecossistemas terrestres quanto aquáticos. Um chamado global à ação, a Década da ONU reúne apoio político, pesquisa científica e força financeira para a restauração em grande escala.

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